O Pará é o estado que registrou o maior número de denúncias no último ano. Em segundo lugar, está o Mato Grosso, seguido pelo Maranhão.
Em entrevista à Radioagênca NP, de Araguaína, Tocantins, o coordenador da campanha da CPT de combate ao trabalho escravo, Xavier Plassat, falou que a realidade de trabalhadores escravizados está muito longe de recuar no país.
Radioagência NP – Xavier, seria possível fazer a ligação entre trabalho escravo e monocultura?
Xavier Plassat – Não que em si haja uma ligação direta, mas existem algumas monoculturas que se revelaram, nestes últimos anos, como palco de condições degradantes ou de trabalho escravo. Recentemente, o que chamou atenção são os casos no preparo da lavoura da soja, onde o trabalho de “catar” as raízes para preparar o plantio é frequentemente realizado em condições de trabalho bem brutais. Encontramos isso no Mato Grosso, no Tocantins, no Pará, na Bahia e em vários lugares. Como a cultura da soja teve um crescimento importante, nos últimos anos, houve mais casos. E o que também aparece nas estatísticas é o desenvolvimento de duas outras monoculturas que são a cana-de-açúcar e o plantio de eucalipto.
RNP – Onde, geralmente, o trabalho escravo está presente?
XP – A maioria dos casos de trabalho escravo é encontrada ainda na pecuária. A metade está nas fazendas de gado. São 48% dos casos, ou seja, 134 fazendas foram identificadas com denúncias de trabalho escravo. Por outro lado, tem o setor da cana que representa um número de casos bem menor – em 2008 foram 19, o que corresponde a 7% do total – mas em número de pessoas envolvidas ou libertadas representa quase a metade do total do ano, que foi de 2553 pessoas. Fato é que hoje, no Brasil, são poucos os estados que escapam da estatística do trabalho escravo. O que é um fato novo, porque antigamente tudo se concentrava no arco de desmatamento na Amazônia. Hoje, percebemos que aonde o agronegócio for há condições degradantes de trabalho.
RNP – No último ano, chegou a 280 o número de denúncias de trabalho escravo no país. Em 2007, foram 265 denúncias e em 2006 também 265. O que o senhor pode dizer sobre os dados?
XP – Os três números, quase iguais a 300, significam que, de certa maneira, a realidade do trabalho escravo não está recuando ainda, apesar de uma mobilização maior do que no passado contra isso. O mesmo Estado que está combatendo o trabalho escravo, por várias de suas políticas, também está favorecendo a expansão de um agronegócio que não está nem aí para isso. Então, tem uma contradição que precisa ser combatida e superada. No bojo dessa contradição, tem a questão da reforma agrária, a questão da agricultura familiar, do modelo de agricultura.
RNP – Como é a vida das pessoas que são encontradas em condições de trabalho escravo?
XP – Primeiro as condições de contratação. Muitas vezes as pessoas são trazidas de fora, porque as pessoas do lugar não querem mais fazer esse tipo de serviço naquelas condições. O trabalhador chega, às vezes, já um pouco endividado com quem o contratou – gasto da viagem, adiantamentos – e descobre uma realidade que raramente corresponde ao que foi prometido. Aqui na Amazônia, não é raro ele ter que pagar pelos instrumentos de trabalho, pela lona plástica ao qual ele vai ser alojado em condições totalmente precárias, sem minimamente ser respeitado condições de higiene, de saúde e de acesso à água potável. E a jornada de trabalho vai ser bem exaustiva, longa, sem final de semana, sem férias.
RNP – O que impede esse trabalhador de deixar às condições a que é submetido?
XP – O isolamento geográfico vai ser um fator suplementar para impedir o desligamento do trabalho. Vão se agregar, em certos casos mais graves, situações de coerção da liberdade, de impedimento psicológico, financeiro ou armado, que não deixa o trabalhador sair do serviço antes que ele termine. A mais habitual é de não pagá-lo, de reter seus documentos. Nessas condições, um migrante que fez uma longa viagem, na expectativa de um salário bom, não tem como sair.
RNP – Os empregadores que exploram essas pessoas estão sendo punidos?
XP – A primeira punição que vem à mente é a prevista pelo Código Penal Brasileiro que, desde 1941, tipifica o trabalho escravo, que quantifica em dois a oito anos a pena de prisão que seria aplicável. Até março, não tinham mais de dez empregadores brasileiros que tenham sido condenados à pena de prisão no Brasil. Durante anos, não se sabia quem era competente para julgar o crime de trabalho escravo, se a Justiça Federal ou a Justiça Comum. Isso manteve por muito tempo uma ausência de decisões judiciais. Esta situação está se revertendo aos poucos, depois que o Supremo Tribunal Federal, no final de 2006, determinou que a competência é da Justiça Federal. Agora, uma coisa que ainda não conseguimos, que se deve a uma resistência obstinada da bancada ruralista no Congresso, seria de confiscar a propriedade de quem pratica o trabalho escravo. Existe, há mais de 13 anos, uma proposta constitucional para que isso aconteça. Esta emenda constitucional está parada na Câmara dos Deputados, onde a bancada ruralista continua pensando que a propriedade vale mais do que a dignidade do trabalhador.
De São Paulo, Radioagência NP, Desirèe Luíse. 08/05/09
CEPRO – Centro Cultural de Educação Popular de Rio das Ostras