Por Leonardo Boff
A todos Feliz Páscoa com alegria e esperança!
Para o cristianismo a cruz e a morte da sexta-feira santa não detém a última palavra. A palavra derradeira que o Criador pronunciou sobre o destino humano é ressurreição. Por isso, a festa central do Cristisnianismo não é o Natal que celebra o nascimento do Libertador das gentes nem a Sexta-feira Santa que comemora o martírio do Messias.
Se ele, após a crucificação, não tivesse ressuscitado, estaria seguramente no panteão dos heróis da humanidade, mas não teria uma comunidade que lhe guardaria a memória sagrada. Mas ele ressuscitou. Em razão disso, o Cristianismo não celebra uma saudade do passado, mas festeja uma presença no presente.
Então fica claro, contrariando os existencialistas modernos que afirmam sermos seres para a morte: não vivemos para morrer; morremos para ressuscitar.
O que o Cristianismo tem a oferecer à humanidade se unificando como espécie é fundamentalmente isso: a promessa de ressurreição para toda a carne, para cada pessoa e para a inteira criação. Quem não quer viver sempre e plenamente?
Mas importa compreender bem o que se entende por ressurreição se quisermos captar sua relevância universal.
Antes de mais nada, cabe lamentar que ela foi cedo abandonada como eixo estruturador da fé cristã. Em seu lugar entrou o tema platônico da imortalidade da alma. A ressurreição foi relegada para o fim do mundo e não para acontecer já na morte como era a convicção da Igreja dos primórdios. Como ninguém sabe quando este fim do mundo vem, a ressurreição não representa um elemento, portador de esperança de vida. Por isso que muitos cristãos, ainda hoje, vivem tristes como se fossem ao prório enterro.
Ademais, a ressurreição não é sinônimo de reanimação de um cadáver como o de Lázaro. Lázaro voltou à vida que tinha antes. Ora, esta vida é mortal, pois vamos morrendo em prestações, devagar, até acabar de morrer. A reanimação do cadáver não nos liberta da morte. Lázaro morreu de novo e foi sepultado. E lá ficou definitivamente.
Ressurreição significa bem outra coisa. É a entronização de alguém numa ordem de vida que não tem mais nenhuma entropia e nenhuma necessidade de morrer. É uma vida tão inteira que não deixa nenhuma brecha pela qual a morte pode entrar. Portanto, é a realização da utopia de uma vida sem fim e absolutamente realizada. Tal evento benaventurado só é possível à condição de o processo evolucionário ter chegado, por antecipação, à sua culminância, quando todas as potencialidades do ser humano se tiverem absolutamente realizado. Representa, pois, uma revolução na evolução. Daí implode e explode o ser novo que vinha embrionariamente se formando ao longo dos bilhões e bilhões de anos, até fechar o seu ciclo de realizações. São Paulo fala que com a ressurreição irrompeu o “novíssimo Adão”.
Quando se fala assim de ressurreição, se acredita que tal singularidade ocorreu em Jesus. A grama não cresceu sobre sua sepultura. Ela ficou aberta para proclamar o fato mais decisivo do universo: a superação da morte; mais ainda, a possibilidade real de transformação da utopia em topia dentro do horizonte cósmico e histórico: o triunfo do princípio de vida.
Que faz, concretamente, a ressurreição? Realizar plenamente nossa essência que consiste em sermos um nó de relação e de comunicação, voltada para todos os lados. A ressurreição suprime os limites de realização do espaço-tempo desse nosso nó, potenciando-o ao infinito, já que, por natureza, somos um projeto infinito. O corpo ressuscitado vira pura comunicação e ganha uma dimensão igual a do cosmos. Por isso o corpo ressuscitado enche todo o universo e ocupa todos os espaços.
Um dito do evangelho apócrifo de São Tomé, descoberto em 1945 no norte do Egito, deixa o Ressuscitado falar assim:”Tudo saiu de mim e tudo volta a mim. Rache a lenha e eu estou dentro dela. Levante a pedra e estou debaixo dela. Eis que estarei convosco todos os dias até o final dos tempos”. Quer dizer, pela ressurreição, Jesus ganhou uma dimensão cósmica. Ele se encontra em todas as coisas até naquelas mais comezinhas como cortar lenha e levantar pedras.
Pelo espírito estamos na lua, no sol, nas galáxias mais distantes, estamos em Deus. Mas nosso corpo não consegue acompanhar no espírito. Fica enraizado no espaço e no tempo, agrilhoado ao sistema da matéria. Voando à velocidade da luz precisamos de 8 segundos para chegar até o sol e três anos luz, à estrela mais próxima, a Alfa do Centauro. O corpo ressuscitado supera a velocidade da luz. Ele está imediatamente lá onde está o seu desejo.
O corpo assume as características do espírito e o espírito aquelas do corpo. Não deixamos o mundo. Mas penetramos mais profundamente no coração do mundo até aquele ponto onde tudo é um e para onde tudo converge, constituindo o Todo.
A humanidade que está em Jesus, está também em cada um de nós. Se nele se verificou tal evento de bem-aventurança é sinal de que vai acontecer também em nós. Ele é apenas o primeiro entre muitos irmãos e irmãs, como atesta São Paulo. Todos nós o seguiremos e, do nosso jeito singular, ressuscitaremos também como ele na morte.
Então como diz o grande bispo, profeta e poeta, Dom Pedro Casaldáliga: a alternativa cristã é: ou a vida ou a ressurreição.
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