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“Uma grande lição que não pode ser esquecida: é a alegre coragem de viver do povo”
Em homenagem aos 102 anos de nascimento de Clementina de Jesus (7/02/1901 a 19/07/1987) trazemos o inspirado texto de José Ramos Tinhorão (que também aniversaria em 7 de fevereiro) sobre o disco de Clementina lançado em 1979. Em meio a lixos culturais da época – o autor, em seu laborioso ofício de dar foco, de destacar o melhor da criação musical do nosso povo realça no texto, com poesia e concisão, o clima de felizes conjunções alcançadas na elaboração do disco e lapida as características eternas daquela artista popular.
“Clementina” é uma festa onde se eleva uma voz que canta para a eternidade [*]
A caminho dos 78 anos, a grande cantora brasileira Clementina de Jesus pode ser ouvida novamente em um LP que, tendo por título apenas o seu nome Clementina (odeon 064 422 846), resume na demonstração de vitalidade da intérprete e no simbolismo da capa idealizada por Elifas Andreato uma grande lição que não pode ser esquecida: é a alegre coragem de viver do povo que precisamos imitar, e são as pegadas de seus melhores artistas que devemos seguir.
De fato, para significar o que representa no panorama da música popular brasileira a velha Clementina (que pode estar tendo neste trabalho o seu último disco, tal o desgaste que demonstra, após quase seis anos de uma trombose violenta), Elifas desenhou apenas o sulco de um pé sobre o chão de terra, entre duas folhas caídas, amarelas de outono, mas ao lado das quais brilham outras folhinhas novas, irrompendo da terra em verde renascer.
Não poderia ser mais feliz o artista Elifas Andreato com sua imagem, nem o produtor Fernando Faro ao criar para a gravação de Clementina de Jesus um clima de festa, de ritmo solto e de alegria. E isso porque é realmente como um sinal de futuro e um guia para o caminho que a voz da artista soa no disco: a velha Clementina não é uma cantora comum lançando o seu canto de cisne no ocaso da vida e da carreira, mas a antiga pastorinha dos Natais do início do século em Jacarepaguá, ensinando às meninas de hoje o canto eterno do povo.
Para este disco desde o início tão lindo pelo significado, o produtor convocou em nome da amizade e da admiração por Clementina não apenas alguns dos grandes nomes da música ligados de alguma maneira às fontes populares – Dona Ivone Lara, Matinho da Vila, Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Cristina Buarque e João Bosco – mas também um grupo de músicos que, com Dino e César Faria à frente, nos violões, e gente como Jorginho do pandeiro e Luna e Eliseu no ritmo, são capazes de transformar a música de samba numa festa que faz som de discoteca parecer música de procissão.
O resultado de tudo isso é que o LP Clementina, longe de merecer apenas atenção como o derradeiro documento registrando o canto de uma velha artista que se despede, faz Clementina de Jesus renascer em seu canto glorioso como uma rainha carregada em um andor, vozes dos que se juntaram para entoar com ela, em coro, o hino de sua eternidade.
[*] Jornal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, sábado, 29/9/1979, página 2
Extraído do livro “Tinhorão – O Legendário” de Elizabeth Lorenzotti, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010.
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Clementina por Henfil
Discografia de Clementina de Jesus
Discos-solo
• 1966 – Clementina de Jesus (Odeon MOFB 3463)
• 1970 – Clementina, cadê você? (MIS 013)
• 1973 – Marinheiro Só (Odeon SMOFB 3087)
• 1976 – Clementina de Jesus – convidado especial: Carlos Cachaça (EMI-Odeon SMOFB 3899)
• 1979 – Clementina e convidados (EMI-Odeon 064 422846)
Participações
• 1965 – Rosa de Ouro – Clementina de Jesus, Araci Cortes e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3430)
• 1967 – Rosa de Ouro nº 2 – Clementina de Jesus, Araci Cortes e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3494)
• 1968 – Gente da Antiga – Pixinguinha, Clementina de Jesus e João da Baiana (Odeon MOFB 3527)


• 1968 – Mudando de Conversa – Cyro Monteiro, Nora Ney, Clementina de Jesus e Conjunto Rosa de Ouro (Odeon MOFB 3534)
• 1968 – Fala Mangueira! – Carlos Cachaça, Cartola, Clementina de Jesus, Nélson Cavaquinho e Odete Amaral (Odeon MOFB 3568)

Coletâneas
• 1999 – Raízes do Samba – Clementina de Jesus (EMI 522659-2)
Desenho de Elifas Andreato
Clementina de Jesus no espetáculo Rosa de Ouro,
Teatro Jovem, Rio de Janeiro, 1965
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