Para frear o que consideram um processo em curso de privatização da água na América Latina, organizações da sociedade civil começam a coordenar ações conjuntas na região. Elas denunciam a aplicação “de diversas formas sutis” que tendem a deixar este recurso fora do controle estatal. Mesmo admitindo que o diagnóstico sobre a situação do controle da água ainda não está claro, o fórum de organizações “trabalha nesse debate”, explicou à IPS o sacerdote Nelito Dornelas, assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Fórum Nacional de Mudanças Climáticas.
O que está claro é que há muitas situações pontuais em cada país inclinadas a esse fim, segundo os organizadores do Seminário Internacional: Panorama Político Sobre Estratégias de Privatização da Água na América Latina”, realizado nos dias 20 e 21, na sede da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “No Brasil está em curso com relação à água um processo semelhante ao que ocorreu com a energia elétrica quando, depois da privatização, as tarifas aumentaram cerca de 400%”, afirmou, como exemplo, o Movimento dos Afetados pelas Represas (MAB). “Temos de mobilizar a população em torno deste debates”, disse Dornelas.
Para os participantes do Seminário, é preciso convocar um referendo nos países da região, como o realizado em 2004 no Uruguai, que aprovou o controle social dos recursos hídricos do país, ou, mais recentemente, na Itália. Entre outros pontos submetidos a votação, 95% dos que participaram da consulta optaram pelo NÃO à privatização da água. “Queremos que o governo se ocupe do serviço de águas e do recurso, de modo geral”, destacou o MAB.
A América Latina tem hoje o maior controle e posse dos recursos naturais do planeta e, por isto, é importante começar a se mobilizar para preservar essa riqueza, explicou à IPS Rogério Hohn, da coordenação nacional do MAB. Nesse sentido, o seminário “buscou promover um amplo debate das organizações de cada país com vistas a soluções conjuntas”, acrescentou. Para o MAB, a privatização da água se expressa de diversas formas sutis, além do controle do serviço de abastecimento domiciliar.
Por exemplo, entregando aos Municípios a administração desse recurso para enfraquecer negociações em nível nacional, cobrando por seu uso ou apoiando-se em setores como agricultura, mineração ou das empresas de saneamento. “Inclusive as represas para geração de energia elétrica são uma forma de privatização da água, porque não se vende apenas energia, mas a água que está represada”, destacou Hohn.
A ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, chamou a atenção para um aspecto do informe nacional sobre disponibilidade e qualidade de recursos hídricos, apresentado recentemente pela Agência Nacional de Águas (ANA). O estudo mostra que 69% dos recursos hídricos brasileiros são utilizados para a irrigação de cultivos e pastagens, e que mais de 90% deles vão para o setor privado.
“Temos de ver se essas áreas de irrigação estão em zonas vulneráveis em oferta de recursos hídricos no futuro, para que possamos garantir a produção agrícola com oferta de água, ou se é preciso redirecioná-las”, disse a ministra, ao se referir a uma eventual falta de água para o setor em algumas regiões. O informe, que o governo de Dilma Rousseff tomará como base para a implementação de políticas de administração de recursos, mostra que no setor agropecuário o consumo de água dos animais equivale a 12%, enquanto a demanda de cidades é de 10% e da indústria 7%.
O Brasil é considerado a grande reserva de água doce do mundo, já que possui 11,6% da disponibilidade no planeta e 53% da disponibilidade na América do Sul. Segundo o estudo da ANA, cada brasileiro teria à sua disposição 34 milhões de litros de água doce por ano. Oferta esta que pode baixar se avançarem os processos de privatização do setor, segundo Edson Aparecido da Silva, coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.
Em entrevista à IPS, Edson explicou que no Brasil grande parte da operação de serviços de saneamento ainda é pública, atendendo quase a totalidade dos 190 milhões de habitantes do país. O setor privado responde por apenas nove milhões de pessoas, ressaltou. Entretanto, os privados já manifestaram “que em pouco tempo podem ampliar sua inserção na área do saneamento em cerca de 30% da população”. Isto significa “que convivemos o tempo todo com a ameaça de mais privatização”, alertou.
Esse processo vai na contramão do que ocorre em países como Argentina, Alemanha, França e Itália, onde os serviços de saneamento voltam ao poder do Estado, ressaltou Edson. Serviços “que eram privados e voltam a ser públicos porque os governos viram que ficavam caros para a população e, com isso, se excluía muitos cidadãos, sobretudo nos países mais pobres”, concluiu. Envolverde/IPS
Fonte:www.envolverde.com.br
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