Lançado no último dia 2 de junho, o plano, do governo federal, terá três pilares básicos: transferência de renda, inclusão produtiva e acesso a serviços públicos. Nesse sentido – objetivando a inclusão produtiva em áreas urbanas –, são planejadas ações que pretendem criar ocupação e renda por meio da economia solidária.
Em entrevista à Fórum, Joaquim de Melo, coordenador geral do Instituto Palmas, organização da sociedade civil que gere e propaga práticas de economia solidária, com sede em Alagoas, analisa o papel do setor no plano do governo de Dilma Rousseff e aponta o que ainda pode ser aperfeiçoado.
Fórum – Considerada uma das estratégias de superação da pobreza extrema apresentadas no Brasil sem Miséria, como a economia solidária se encaixa no plano do governo federal?
Joaquim de Melo – A economia solidária consegue, com muita facilidade, chegar aos mais pobres, porque ela parte do princípio que a solução dos problemas econômicos está na própria comunidade em que se encontram os extremamente pobres. Acreditamos que, ao criarmos uma rede de produtores e consumidores locais onde as pessoas são estimuladas a produzir e consumir umas das outras, conseguimos gerar trabalho, emprego e renda no próprio território. São as chamadas “redes de prosumatores”, onde todos são produtores, consumidores e atores sociais. Elas nos ensinam que podemos, no próprio local, bairro, município, ter um banco próprio, comunitário, que financia a produção e o comércio com linhas de crédito produtivo, financiando também o consumo local com uma linha de crédito em moeda social, criando um círculo virtuoso da economia em que a riqueza circula na própria comunidade. Só a economia solidária é capaz de pensar estruturas dessa natureza, porque acreditamos nas soluções coletivas. Como afirma o professor Paul Singer (secretário nacional de Economia Solidária): “ninguém supera a pobreza sozinho”.
Portanto, precisamos de práticas de economia solidária para chegarmos aos mais empobrecidos, ajudar a organizá-los para, coletivamente, superar a miséria. A maior contribuição que se pode oferecer ao Brasil sem Miséria é disponibilizar uma série de práticas concretas de organização da comunidade para o empreendedorismo coletivo.
Fórum – Dentro disso, a economia solidária, aliada a ações governamentais, pode contribuir de que forma para a organização e a participação social?
Melo – O capitalismo nos ensina que não existe espaço para todos, por isso devemos disputar o mercado. As velhas cartilhas sobre empreendedorismo de negócios explicitam que devemos ser bem capacitados em nossos empreendimentos para ganharmos fatias de mercado. Disputar, concorrer, chegar à frente, é sempre a lógica que nos leva a uma paranoia coletiva de sermos os melhores para ganharmos do outro. Um ganha, outro perde. Não existe espaço para dois.
A economia solidária prega exatamente o contrário. É muito mais viável ser solidário do que ser competitivo. Economicamente falando, acreditamos que é muito mais fácil sobrevivermos no mercado por meio de ações econômicas coletivas do que isolados. Portanto, devemos pensar em formas coletivas de comercialização de produtos, como feiras, lojas solidárias, bodegas comunitárias; em produção associada, cooperativas, associações e grupos de produção; em formas alternativas de crédito coletivo, bancos comunitários, cooperativas de crédito, fundos solidários e outros. Enfim, é a crença de que, organizados, seremos mais fortes. Essa lógica da cooperação e da colaboração estimula que as pessoas se organizem e se juntem de forma associativa e cooperada.
As experiências de economia solidária no Brasil totalizam 22 mil empreendimentos (dados do Sistema de Informação da Economia Solidária – SIES/Ministério do Trabalho e Emprego). Além disso, existe uma variedade de cursos, oficinas e seminários em todo o país que ensinam as práticas e a filosofia da área. Hoje, são dezenas de universidades, ONGs e associações comunitárias que têm programas voltados para o setor.
Contudo, considero que a maior contribuição se dá com as práticas concretas, que mostram para a população como é possível se organizar e encontrar soluções para os problemas locais. Aqui, em nossa comunidade, no Banco Palmas, temos duas mil famílias que tomam crédito, sem burocracia e comprovação de renda. Todas se filiam ao Fórum Econômico Local (FECOL) e têm o direito de participar, semanalmente, de reuniões, podendo votar e decidir sobre o futuro do banco comunitário.
Fórum – O que vale ressaltar de positivo no Brasil sem Miséria?
Melo – O mais importante de tudo foi o governo federal ter apontado a superação da miséria como uma pauta prioritária para o país. O fato em si já é muito relevante, porque traz para a mesa o reconhecimento do governo da dívida que tem com 16 milhões de brasileiros.
Do ponto de vista concreto, acho que o fortalecimento do microcrédito e a economia solidária são duas ações que merecem destaque.
Fórum – Há pontos do plano que precisam ser melhorados sob a perspectiva da economia solidária?
Melo – O plano não fala como vai organizar os miseráveis para que eles superem a extrema pobreza. Embora aponte algumas ações de economia solidária, creio que precisamos traçar uma estratégia clara em duas situações. Primeiro: como vamos organizar os miseráveis em ações econômicas e sociais? Segundo: como vamos “empoderar” os miseráveis e aumentar a auto-estima deles? Ninguém supera a pobreza com a alma desanimada. Nenhum pobre deixa de ser pobre, nenhum miserável deixa de ser miserável, se não se decidir a sair da pobreza ou da miséria.
Portanto, o Brasil sem Miséria tem um desafio enorme de criar um plano de organização de empoderamento dos miseráveis. Sem esse plano, as ações, quando chegarem, não surtirão efeito.
Fonte: Revista Fórum
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