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por Nara Bianconi e Pedro Dias

Você já se perguntou como plataformas de compartilhamento de conteúdo conseguem se sustentar e seguir funcionando? Ou como é possível regulamentar o uso desse conteúdo para evitar a pirataria? Entenda o novo paradigma do compartilhamento de informação.
Responda rápido: quando foi a última vez que você comprou um cd ou dvd em uma loja? E quando foi a última vez que baixou músicas e filmes no computador? Não há como negar que o livre compartilhamento de conteúdo na internet mudou completamente o comportamento do consumidor. Ainda, colocou em xeque negócios milionários de gravadoras, editoras e empresas que tinham seu lucro pautado na venda de produtos protegidos por direitos autorais, e que estão tendo que repensar seus modelos para se adequar à nova realidade.
O cenário criou alternativas para o tradicional licenciamento e divulgação, caso da licença Creative Commons, que em dez anos de existência já disponibiliza mais de 400 milhões de obras na rede. Com ela, autores escolhem o nível de compartilhamento permitido – de uso pessoal a comercial, apenas trechos ou a íntegra do conteúdo, entre outras possibilidades. “O Creative Commons é uma ferramenta que estabelece novos mecanismos de distribuição de informação e incentiva a colaboração, com a produção de conteúdos feitos coletivamente, como é o caso da Wikipedia”, explica o diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, Ronaldo Lemos.
Licenciada sob Creative Commons, a enciclopédia também completa uma década, batendo a casa dos 26 milhões de artigos em 251 idiomas. Os números impressionam e sua contribuição é inquestionável. Entretanto, dúvidas quanto ao seu modelo de negócio não comercial, que faz com que a empresa sobreviva de doações e receba muitas críticas por ser editada por qualquer usuário sem a tutela de especialistas que endossem o conteúdo, surgem todo o tempo. E essa efervescência de questionamento só vem a contribuir para a evolução da dinâmica de compartilhamento de conteúdo.
Este ano, Alex Konanykhin, fundador e presidente da WikiExperts.us, apresentou a primeira rede de escritores por contrato para editar de uma maneira rigorosa os conteúdos incluídos na Wikipédia. Konanykhin afirmou que a maneira como a empresa está estruturada hoje, sem cobrar pela edição dos artigos publicados e sem incluir publicidade em seu endereço, faz com que ela perca a oportunidade de trabalhar com profissionais que somem ao produto.
“Os colaboradores qualificados devem ser recompensados. A história demonstrou repetidas vezes que o trabalho gratuito não é o modelo de negócio ideal a longo prazo, nem em grande escala”, declarou Konanykhin à revista Exame. No final do ano passado, Jimmy Wales, cofundador da enciclopédia digital, estampou seu rosto na primeira página do site em uma campanha na qual pedia por doações. Arrecadou US$ 16 milhões e investiu em tecnologia. Frente ao Google, que alcança US$ 23 bilhões anuais em publicidade, o valor angariado pela Wikipédia parece apenas um trocado.
O compartilhamento é sustentável?
Se plataformas de livre compartilhamento de conteúdo não costumam cobrar pelos produtos que oferecem, resta saber quem é que paga essa conta. O jornalista Robert Levine, antigo editor das revistas Billboard e Wired, apontou em seu livro recente Free Ride, que são as grandes empresas de tecnologia da informação que costumam financiar, por meio de doações, essas organizações. Em suas pesquisas, descobriu que o Creative Commons recebeu US$ 1,5 milhão do Google em 2008 e mais US$ 500 mil em 2009.
“Acreditava que a indústria fonográfica e os produtores de conteúdo em geral deveriam abrir seus produtos, gratuitamente, na internet. Até notar, aos poucos, que as empresas de tecnologia cresciam lucrando com os mesmos produtos, mas resistiam a pagar por eles”, disse Levine à Folha de S.Paulo.
Nas 320 páginas do livro, o jornalista chama a atenção para uma questão pertinente nessa discussão: “quem tem o poder, o produto ou a plataforma?”. Estes sempre foram os dois lados na indústria do entretenimento, e, no modelo tradicional, o produto sempre valeu muito. Entretanto, com a internet, você não precisa pagar nada, então o desafio agora é fazer a plataforma pagar pelo valor do produto.
“A internet não foi estruturada para vender coisas, ela nasceu para compartilhar informações”, afirma ele. “Ainda assim, a Apple conseguiu construir um sistema muito bom para vender coisas e o Google disse que isso era imoral. Eu acho que é ruim para os negócios do Google, porque, quanto mais informação vai para a internet, mais ele lucra. Entretanto, se você quer lucrar também, precisa vender sua informação. Precisamos então estruturar um sistema para compartilhar os ganhos”, decreta.
O que pode e o que não pode
Na discussão sobre compartilhamento, direitos autorais e obtenção de lucro com o conteúdo disponibilizado está outro ponto delicado: o da pirataria. Enquanto Levine acredita que as discussões seguem por um rumo duvidoso, em que a grande preocupação é encontrar quem deve responder legalmente pelo ato ao invés de propor leis que estabeleçam limites do que é ou não permitido, governos pelo mundo se juntam em um Acordo Anti-Falsificação Comercial, conhecido como ACTA.
Assinado por Estados Unidos, Canadá, Coreia do Sul, Japão, Marrocos, Cingapura, Austrália e Nova Zelândia em 1º de outubro deste ano, o ACTA é um tratado que prevê punições sérias para acusados e cúmplices de pirataria na internet, incluindo o usuário que fizer, por exemplo, o download de um filme. Os signatários adotam uma posição contrária ao livre compartilhamento de conteúdo, e, dessa forma, desmotivam a afiliação de produtores de conteúdo às licenças abertas.
“O ACTA busca suprir uma demanda de autores e produtores de bens culturais que buscam possibilidades de controle sobre o que é disponibilizado no meio digital. Porém, essas medidas devem estar compatibilizadas com as necessidades e o grau de desenvolvimento de cada país, não podendo ser adotadas como receita única para o combate à pirataria”, pontua a diretora de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura, Márcia Regina Vicente Barbosa.
Ronaldo Lemos, da FGV, ressalta que o sistema de propriedade intelectual já se encontra em grave desequilíbrio e que, em sua opinião, o ACTA estabelece uma política ainda mais restritiva para a questão. “No Brasil, quem copia músicas de um CD para o seu iPod está violando o texto da lei”, pontua.
No fim das contas, enquanto iniciativa pública e privada tentam defender interesses aqui e ali, produtores e consumidores de informação equilibram-se entre partilhar e negociar conteúdos, numa massa de tentativas, estratégias, êxitos e falhas que constroem o novo paradigma do compartilhamento de conteúdo pelo mundo.

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