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Foi um mês de janeiro chuvoso. E como choveu! Os dias totalmente ensolarados puderam ser contados nos dedos em boa parte do território nacional. Como tem sido de praxe, as notícias sobre enchentes e deslizamentos foram acompanhadas das já tradicionais alegações mais do que batidas.
– As águas do rio invadiram as casas e as pistas da avenida!
– A forte chuva foi a responsável pelo desabamento do morro e pelo soterramento das casas!
– A chuva torrencial foi à causadora da enchente que inundou as casas do bairro!
São bordões a que já nos acostumamos e seu conteúdo, de certa maneira, contribui decisivamente para perpetuar essas conhecidas variações de tragédias de verão com perdas de vidas humanas e prejuízos materiais.
As águas do rio não invadem casas e pistas, elas apenas ocupam, salvo exceções, áreas naturais de transbordo. O problema aí é que as casas, construções, avenidas e estradas é que estão a se utilizar de espaços indevidos.
O mesmo vale para morros e montanhas desprovidos de suas vegetações naturais. Neste caso, a chuva é injustamente responsabilizada por tragédias. É apenas mais um caso de ocupação irregular.
O processo acelerado de impermeabilização das cidades é um dos fatores que mais contribui para as enchentes. A chuva cai e a água não sendo capaz de escoar, por consequência, vai se acumulando sobre superfícies asfaltadas e concretadas, provocando as cheias.
Ao insistir com as mesmas justificativas não enfrentamos verdadeiramente esses problemas. Mesmo que se possa constatar, nos últimos anos, o aumento progressivo no volume de chuvas, bem como, períodos de estiagem maiores resultantes do aquecimento global, também é verdade que épocas de chuva e seca são conhecidas e previsíveis.
Nessas ocasiões, são constantemente mencionadas a incompetência, desvios e omissões de nossas autoridades. Obras prometidas que não foram feitas, desleixo na limpeza de rios e córregos, a não retirada de famílias vivendo em áreas de risco, e até mesmo a atitude pouco civilizada das pessoas ao jogar lixo nas ruas e rios. Tudo isto é verdade e merece ser denunciado, mas também é preciso interagir de maneira mais amigável com os fenômenos naturais.
Com a acelerada urbanização nas sociedades modernas assistimos a um processo de distanciamento do que poderíamos chamar de “leis da natureza”. Nada mais, nada menos do que respeitar, entender e conviver com dinâmicas e ciclos do planeta.
Muitas vezes, ao ultrapassar certos limites, ocorrem reações ambientais que poderiam ser evitadas, bastando para isso, apenas, a observação e o conhecimento. A força de reação da natureza não pode ser desprezada como vem acontecendo de maneira progressiva. O poder da água, como guardiã da vida na Terra, deve ser respeitado, mas também deve ser entendido como capaz de tirar essas mesmas vidas. As nossas enchentes e o acidente de Fukushima, no Japão, são exemplares dessa força descomunal e destrutiva.
Temos o direito, mas também o dever de agir para garantir um ar bom para respirar, água pura para beber e alimentos saudáveis que colaborem com a nossa saúde. Para se alcançar esses objetivos, respeitar o meio ambiente é fundamental. Se no passado a meta era “vencer”, hoje é preciso buscar todos os caminhos para viver em harmonia com a natureza e dela extrair todos os benefícios resultantes dessa boa convivência.
As boas intenções
Recentemente, com as melhores intenções, não duvido disso, um grande banco anunciava: “O que a enchente destruiu sozinha, a gente pode reconstruir juntos” e colocou à disposição um número de conta para ajudar as pessoas e famílias prejudicadas pelas chuvas.
Essa é uma típica situação de desconhecimento das leis naturais, conforme descrevi acima. Em primeiro lugar a enchente não destruiu sozinha, o ser humano deu a sua contribuição determinante ao construir em locais inadequados, não permitindo a vazão das águas. Depois, ao falar em reconstruir, que significa fazer da mesma maneira, do mesmo jeito e no mesmo lugar serão cometidos os mesmos erros que levaram a tragédia.
Nesse caso, vale a pena rever valores e estratégias para obter os melhores resultados para o banco e para as pessoas.
 Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital, colaborador da Envolverde e professor de Gestão Ambiental na Fappes.
Fonte: Carta Capital.

 
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