Florestan Fernandes denunciou que a transição controlada da ditadura se transformaria no grande trauma nacional. A partir do entendimento da transição “lenta, gradual e segura” como um movimento de adiamento do desenlace da crise da autocracia burguesa Florestan Fernandes conceituou a Nova República e a operação de “conciliação pelo alto” que lhe deu sustentação, como interrupção da contrarrevolução preventiva desencadeada em 1964 com vistas a barrar, mais uma vez, as potencialidades de uma revolução democrática e nacional alimentadas pelo próprio desenvolvimento do capitalismo dependente em sua fase monopolista. O alvo principal desta operação política promovida pelas classes dominantes era o emergente movimento social das classes subalternas, nascido durante a crise da ditadura, que apresentava uma nítida propositura programática de “revolução dentro da ordem”, embora já apontando tarefas de “revolução contra a ordem”.
Mais uma vez sua análise foi correta. As eleições de 2010, onde os setores mais conservadores da burguesia foram novamente obrigados a buscar um candidato que ostentasse a luta contra ditadura em seu currículo e as acusações desse candidato contra nossa presidenta Dilma atacavam sua coragem em ter participado da resistência armada, comprovam que o tema segue sendo um forte trauma em nosso imaginário coletivo.
A questão ressurge com força através da criação da Comissão Nacional da Verdade. O debate sobre o direito de apurar os crimes praticados pela ditadura retoma com força na sociedade.
A Comissão da Verdade tem como tarefa institucional estabelecer quais as circunstâncias em que as mortes, a tortura, a violência de Estado foi realizada no Brasil. Apurar a responsabilidade dos militares e servidores públicos da época, que teriam participado de atos perversos da ditadura, mas também dos próprios civis que participaram de estruturas não governamentais, empresariais, que participaram da repressão.
As forças sociais se movimentam para defender ou impedir que a verdade venha à tona.
Até mesmo os acovardados torturadores saíram de seus esconderijos e lançaram um manifesto em nome do Clube Militar, onde retomam suas velhas ameaças golpistas e atacam a iniciativa do governo federal.
Recentemente, a Anistia Internacional denunciou que “O Brasil continua atrasado em comparação aos demais países da região em sua resposta às graves violações de direitos humanos cometidas no período militar”, o que constitui um eco do clima internacional em relação ao acobertamento institucional daqueles crimes. É um fato lamentável.
ONU, Anistia Internacional, Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Tribunal Penal Internacional condenam o Supremo Tribunal Federal brasileiro por ter se manifestado contra ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) iniciada em 2010 que questionava a Lei da Anistia, de 1979. A condenação informal do Brasil por leniência com os crimes de Estado durante a ditadura tem amplo apoio dos principais países-membros.
Entre os países que integraram a Operação Condor – aliança secreta entre Brasil, Argentina, Chile e Uruguai orquestrada pelos Estados Unidos entre os anos de 1960 e 1970 para combater movimentos de esquerda –, só o Brasil ainda não iniciou punições de militares que cometeram crimes de lesahumanidade. Segundo a Ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, a “sociedade precisa mobilizar-se para assegurar a Comissão da Verdade”.
Recordemos que o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou, em 2 de novembro de 2005, que o Brasil tornasse públicos os documentos relevantes sobre os crimes cometidos durante essa fase do país, responsabilizando seus autores.
Portanto, para assegurar que a Comissão da Verdade cumpra sua tarefa histórica será necessário construir lutas populares que assegurem sua defesa e funcionamento.
É o momento dos lutadores populares retomarem com todas as energias as denúncias sobre os assassinos e torturadores que cometeram os piores crimes durante a ditadura.
Quem praticou tantos horrores nas salas de tortura não pode permanecer esquecido, escondido em sua covardia. Resgatar esses episódios é o caminho para superarmos o grande trauma nacional da Ditadura. Está é a nossa história e não permitiremos que seja abafada.
Sem mobilização não conseguiremos sequer assegurar a Comissão da Verdade.
É preciso tocar na ferida e enfrentar esse debate. Mas principalmente, é preciso sair às ruas e construir uma luta popular pela Comissão da Verdade.
Fonte: www.brasildefato.com.br
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