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Teremos mais uma “lei que não pegou”, a que institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (12.305/10)? Aprovada pelo Congresso
Nacional, a lei deu prazo até o dia 2 de agosto para que todos os 5.565
municípios apresentem ao governo federal planos e ações para essa área,
consolidados em cada um no Plano Municipal de Gestão Integrada de
Resíduos Sólidos, sem o qual não poderão receber transferências
voluntárias de recursos da União. Quantos municípios o terão
apresentado? Certamente, uma minoria ínfima. Porque os planos deverão
determinar o fim dos “lixões” (que são mais de 2.900 em 2.810
municípios), a logística reversa (para recolhimento de embalagens pelos
geradores), planos de coleta seletiva em todos os municípios (só 18%
deles a têm para pequenas partes do lixo, menos de 1,5% vai para usinas
públicas; a Holanda recicla 80%), possíveis consórcios intermunicipais.
Isso quando se afirma que o país gera por dia mais de um quilo de lixo
domiciliar por pessoa, mais de 200 mil toneladas/dia, mais de 60 milhões
de toneladas/ano.
Diz o Ministério do Meio Ambiente que não
prorrogará o prazo. Mas, na verdade, a lei começou a não ser cumprida
ainda no Congresso, quando o relator do projeto aprovado na Câmara dos
Deputados, senador Demóstenes Torres, em combinação com outros
senadores, suprimiu do projeto o dispositivo que só permitia incineração
do lixo se não houvesse outra possibilidade – reaproveitamento,
reciclagem, aterramento – e não o devolveu à Câmara, como manda a
legislação; mandou direto para o então presidente Lula, que o sancionou.
Ante os protestos de cooperativas de recolhimento e reciclagem,
prometeu mudar na regulamentação da lei – mas não o fez.
O
panorama brasileiro na área é constrangedor. Metade do lixo domiciliar
total, que é orgânico, poderia ser compostada e transformada em
fertilizantes (para canteiros, jardins, parques, replantio de encostas,
etc.), mas é sepultada e apressa o fim dos aterros, assim como centenas
de milhares de toneladas anuais de resíduos agroindustriais
(aproveitáveis para gerar energia). Uma ideia brutal do desperdício é o
recém-fechado Aterro de Gramacho (RJ), onde, ao longo de 34 anos, se
formou uma montanha de 70 metros de altura e 1.300 quilômetros quadrados
de resíduos, sem coleta de chorume e metano (l8 mil metros cúbicos por
hora). Para servir ao Rio de Janeiro e mais quatro municípios.
Com
tantos desperdícios as despesas municipais com o lixo vão para as
alturas. A cidade de São Paulo, por exemplo, já próxima de 18 mil
toneladas diárias, só em varrição gasta R$ 437 milhões anuais para pagar
a cinco empresas de limpeza de ruas (Estado, 28/11/2010).
Ainda assim, segundo o IBGE, o lixo espalha-se nas ruas onde estão as
casas de 4% dos paulistanos, perto de 500 mil pessoas (Folha de S.Paulo, 6/7). E 400 toneladas a cada dia têm ido parar na Represa Billings (Estado,
28/11/2010). O custo de um novo aterro para a cidade foi orçado
(26/3/2010) pelas empresas de limpeza em mais de R$ 500 milhões, para
receber apenas duas mil toneladas diárias.
 
Não é um drama paulistano apenas, é global. O mundo, diz a revista New Scientist
(4/8/2010), já produz mais de um quilo de resíduos por pessoa por dia
nas cidades, quatro milhões de toneladas diárias, mais de um bilhão de
toneladas anuais. É um dos componentes da insustentabilidade do consumo
global, tão discutida na recente Rio+20. O desperdício na maior cidade
norte-americana é de um quarto a um terço dos alimentos, em cujos
produção, distribuição e processamento são consumidos 15% da energia
total no país (e este, com 5% da população mundial, consome 20% da
energia total). Cada família desperdiça US$ 600 por ano com alimentos
que nem chega a consumir.
Será inútil esperar que o Ministério do
Meio Ambiente possa socorrer os municípios que disserem não ter recursos
para cumprir a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Seu
orçamento total para este ano (Contas Abertas, 2/7) não passa
de R$ 4,1 bilhões, menos de 1% do Orçamento da União, e está
contingenciado em R$ 1,1 bilhão. Não tem recursos sequer para suas
tarefas básicas, para a fiscalização, para quase nada.
Continuará o
desperdício. Já tem sido mencionado neste espaço estudo da
Unesp-Sorocaba em Indaiatuba (125 mil habitantes) que mostrou serem
reutilizáveis ou recicláveis 91% dos 135 mil quilos diários de resíduos
domiciliares levados para aterros (apressando o seu esgotamento).
Experiências em Goiânia e outros lugares já demonstraram que com coleta
seletiva adequada, reciclagem (papel, papelão, PVC), revenda de
materiais (alumínio e outros metais, vidro, madeira), compostagem de
lixo orgânico é possível reduzir a apenas 20% os resíduos encaminhados a
aterros (prolongando a sua vida útil). E ainda não se está falando de
resíduos de construções (que costumam ter tonelagem maior que a do lixo
domiciliar), lixo industrial, resíduos de estabelecimentos de saúde e
outros, cujos custos de recolhimento e disposição final costumam correr
por conta das prefeituras.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente
até já reduziu exigências para implantar aterros que substituam lixões.
Mas não parece provável que se tenha evoluído na área. Mesmo porque
persiste uma pressão para que os municípios, principalmente os maiores,
adotem como caminho – caro e perigoso – a incineração de resíduos, que
implica também a necessidade de gerar cada vez mais lixo. Quase todas as
grandes empresas da área de coleta de resíduos – que são das maiores
financiadoras de campanhas eleitorais no país – têm hoje empresas de
incineração. Em ano eleitoral, então, a sedução e a pressão parecem
irresistíveis. Mas o caminho ideal seria que cada gerador de resíduos
(domiciliar, industrial, da construção, agrícola, etc.) passasse, por
lei, a ser responsabilizado pelos custos proporcionais do que gera –
como se faz em todos os países que evoluíram nessa área.
 Washington Novaes é jornalista.

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