As monoculturas em larga escala para a produção de alimentos foram introduzidas, acompanhadas pelos “pacotes tecnológicos” da “revolução verde” que, ao longo dos anos, têm envenenado e empobrecido a biodiversidade. Isto tem afetado em especial as mulheres, por elas, em muitas comunidades ao redor do mundo, serem as principais responsáveis por cuidar da saúde, do abastecimento de água e da produção de alimentos, atividades muito atreladas à conservação da biodiversidade.
Enquanto muito da diversidade foi perdida, foram introduzidas e avançaram monoculturas geneticamente modificadas, como a soja, milho, eucalipto, etc., aprofundando os impactos sobre a biodiversidade. Nas suas definições, organismos oficiais, como a FAO, apoiam e fortalecem o modelo monocultural, chamando, por exemplo, uma monocultura de eucalipto transgênica de “floresta” e, com isso, desconsiderando por completo a biodiversidade imensa de uma verdadeira floresta.
O modelo de monoculturas em larga escala tem sempre alegado a sua suposta “produtividade” que, no entanto, não conseguiu evitar que cerca de um bilhão de pessoas no mundo continuem passando fome. Vale esclarecer que esta “produtividade” está sendo contestada seriamente, inclusive pela ciência. O mais longo estudo nos Estados Unidos sobre o assunto comprovou que a agricultura sem insumos químicos é muito superior ao modelo convencional em termos de colheita e viabilidade(1). E mais: é fato que os camponeses, mesmo com todas as pressões vividas, continuam responsáveis pela produção da maior parte da comida consumida pela população mundial.
E foram justamente camponeses e camponesas, organizados na Via Campesina, que no início da década de 1990, desenvolveram o conceito de soberania alimentar. Este é um conceito amplo, que engloba enfoques especiais para enfrentar e estimular alternativas às políticas neoliberais que sustentam o paradigma de desenvolvimento dominante, fundamentado no comércio agrícola internacional liberalizado, na segurança alimentar baseada no comércio e produção industrial agrícola e de alimentos. Essas políticas, canalizadas em grande medida pelo “marco” internacional dado pela Organização Mundial do Comércio, pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e demais organismos da política econômico-financeira internacional, têm sido responsáveis, dentre outras coisas, pela contínua expulsão de camponesas e camponeses de suas terras. Também têm sido responsáveis pelo crescente controle de algumas empresas transnacionais sobre a cadeia produtiva, da produção das sementes até a venda dos grãos, o que tem provocado uma redução da soberania alimentar.
Dentro dessa mesma lógica, há algumas décadas, está em curso um processo de apropriação e privatização de sementes no mundo por poucas empresas transnacionais ocidentais, o que se chama “patenteamento”. Hoje em dia, muitos camponeses se veem obrigados a comprar sementes, pagando royalties às empresas “donas” das mesmas, que enriquecem enquanto os camponeses perdem sua autonomia para reproduzir a vida na terra. E para as empresas é estratégico ter o controle sobre todas as sementes para continuar a garantir o fornecimento para os agricultores.
Mais recentemente, surgiu o conceito dos chamados “serviços ambientais”, para os quais elementos da biodiversidade como a água, a regulação do clima e a conservação do solo passam a ser comercializados, até mesmo nas bolsas de valores, abrindo margem para a “especulação com a natureza”. O fato é que seu valor necessariamente vai depender da oferta, o que resulta na lógica perversa de quanto mais destruição, mais poderá render um “serviço ambiental”. E tudo isto é chamado de “economia verde”.
O que significa isso para as populações locais e, sobretudo, para a biodiversidade e a soberania alimentar? Significa mais pressão sobre os recursos naturais, sobre a biodiversidade, das quais essas populações dependem, o que resultará em mais expulsão de milhares de pessoas. E se, por acaso, sua permanência for aceita, a população não poderá mais interferir nos recursos, na biodiversidade. Isto é um desrespeito à sua cultura e reduz a soberania alimentar quando, por exemplo, elas são proibidas de fazer suas roças de subsistência, o que já está ocorrendo em diversas partes do mundo. Com isso, perdem controle sobre o território, perdem sua autonomia.
Por isso, é muito importante que as comunidades hoje em dia busquem entender plenamente as propostas chamadas “verdes” que são feitas a elas, desde o mecanismo de carbono florestal – REDD+ –, até a venda de serviços ambientais. Geralmente, são apresentadas como coisas boas que beneficiariam a comunidade e melhorariam o meio ambiente. Na realidade, são mecanismos que, por sua própria lógica, tendem a piorar o meio ambiente global, e pelo controle que querem exercer sobre o território das populações indígenas, tradicionais e rurais, afetarão profundamente a soberania alimentar de milhões de pessoas no mundo que querem conservar seus modos de vida.
Fonte: Outras Palavras
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