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Por Leonardo Boff

Creio
que se impõem três atitudes que precisamos desenvolver diante da Rio+20.
A
primeira é conscientizar os tomadores
de decisões e toda a humanidade dos riscos a que estão submetidos o
sistema-Terra, o sistema-vida e o sistema-civilização. As guerras atuais, o
medo do terrorismo e a crise econômico-financeira no coração dos países
centrais estão nos fazendo esquecer a urgência da crise ecológica generalizada.
Os seres humanos e o mundo natural estão numa perigosa rota de colisão. De nada
vale garantir um desenvolvimento sustentável e verde se não garantirmos
primeiramente a sustentabilidade do planeta vivo e de nossa civilização. Esta
conscientização deve ser feita em todos os níveis, da escola primária à
universidade, da família à fábrica, do campo à cidade.
A
segunda atitude tem a ver com um deslocamentoe uma implicação que importa operar.
Urge deslocar a discussão do tema do
desenvolvimento para o tema da sustentabilidade. Se ficarmos no desenvolvimento
nos enredamos nas malhas de sua lógica que é crescer mais e mais para oferecer
mais e mais produtos de consumo para o enriquecimento de poucos à custa da
superexploração da natureza e da marginalização da maioria da humanidade. A
pesquisa séria do Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH) de 2011
revelou a tremenda concentração de riqueza e de poder em pouquíssimas mãos: são
737 corporações que controlam 80% do sistema corporativo mundial, sendo que um
núcleo duro de 147 controla 40% de todas as corporações; a maioria,
financeiras. Junto com este poder econômico segue o poder político (influencia
os rumos de um país) e o poder ideológico (impõe pensamentos e comportamentos).
A pegada ecológica da Terra revelou que esta já ultrapassou em 30% seus limites
físicos. Forçá-los é obrigá-la a defender-se. E o faz com tsunamis, enchentes,
secas, eventos extremos, terremotos e o aquecimento global. E também com as
crises econômico-financeiras que se incluem no sistema-Terra viva. O tipo de
desenvolvimento vigente é insustentável. Vãos são os adjetivos que lhe
acrescentemos: humano, verde, responsável e outros. Levá-lo avante a qualquer
custo, como ainda propõe o texto-base da ONU, nos aproxima do abismo sem
retorno.
Deslocar-se
para o tema da sustentabilidade significa criar mecanismos e iniciativas que
garantam a vitalidade da Terra, a continuidade da vida, o atendimento das
necessidades humanas das presentes e futuras gerações, de toda a comunidade de
vida e a garantia de que podemos preservar nossa civilização. Essa compreensão
de sustentabilidade é mais vasta do que aquela do desenvolvimento simples e
duro. 
Para
alcançar tal propósito, se faz mister um novo olhar sobre a Terra, um re-encantamento
do mundo e um novo sonho. Isto significa inaugurar um novo paradigma. Se antes,
o paradigma era de conquista e de expansão, agora, devido aos altos riscos
que corremos, deverá ser de cuidado e
de responsabilidade global.
Precisamos incorporar a visão da Carta da
Terra
que propõe tais atitudes no quadro de uma visão holística do universo
e da Terra. Ela vê o nosso planeta como vivo, com uma comunidade de vida única.
É fruto de um vasto processo de evolução que já dura 13,7 bilhões de anos. O
ser humano comparece como expressão avançada de sua complexidade e
interiorização. Este tem a missão de cuidar e de preservar a sustentabilidade
da natureza e de seus seres.
Esta
visão só será efetiva se for mais que um deslocamento de visões. A ciência não
produz sabedoria mas só informações. Quer dizer, não oferece uma visão global e
integradora da realidade interior e exterior (sabedoria) que motive para a
transformação. Por isso deve vir acompanhada da implicação de uma emoção fundamental.
Importa fazer uma leitura emocional dos dados científicos, porque é a emoção, a
paixão, a razão sensível e cordial que nos moverão a ação. Não basta tomar
conhecimento. Precisamos nos conscientizar, no sentido de Paulo Freire, nos
munir de indignação e de compaixão e por mãos à obra.
Portanto,
junto com a razão intelectual, indispensável, que predominou por séculos, cabe
resgatar a razão sensível e emocional que fora colocada à margem. Ela é o nicho
da ética e dos valores. Faz-nos sentir a dor da Terra, a paixão dos pobres e o
apelo da consciência para superarmos estas situações com uma outra forma de
produzir, de distribuir e de consumir.
A
terceira atitude é de trabalho crítico e criativo dentro do sistema. Já se disse: os velhos deuses (a conquista e
dominação) não acabam de morrer e os novos (cuidado e responsabilidade) não
acabam de nascer. Somos obrigados a viver num entre-tempo: com um pé dentro do
velho sistema, trabalhar e ganhar nossa vida no âmbito das possibilidades que nos
são oferecidas; e com outro pé dentro do novo que está despontando por todos os
lados e que assumimos como nosso. Há muitas iniciativas que podem ser
implementadas e que apontam para o novo.
Fundamentalmente
importa recompor o contrato natural.
A Terra é nossa grande Mãe, como o aprovou a ONU a 22 de abril de 2009. Ela nos
dá tudo o que precisamos para viver. A contrapartida de nossa parte seria o
agradecimento na forma de cuidado, veneração e respeito. Hoje precisamos
reaprender a respeitar o todo da Terra, os ecossistemas e cada ser da natureza,
pois possuem valor intrínseco independentemente do uso que fizermos dele como o
enfatiza a Carta da Terra. Essa
atitude é quase inexistente nas práticas produtivas e nos comportamentos
humanos. Mas podemos ressuscitar esse sentido de amor, de autolimitação de
nossa voracidade e de respeito a tudo o que existe e vive. Ele diminuiria a
agressão à natureza e faria de nossas atitudes mais eco-amigáveis.
Defender
a dignidade e os direitos da Terra, os direitos da natureza, dos animais, da
flora e da fauna; pois, todos formamos a grande comunidade terrenal.
Apoiar
o movimento internacional por um pacto
social mundial
ao redor daquilo que pode unir a todos, pois todos dependem
dele: a água, com um bem comum
natural, vital e insubstituível. Criar uma cultura da água, não desperdiçá-la
(só 0,7% dela é acessível ao uso humano) e torná-la um direito inalienável para
todos os seres humanos e para a comunidade de vida.
Reforçar
a agroecologia, a agricultura familiar, a permacultura, as ecovilas, a micro e
pequena empresa de alimentos, livres de pesticidas e de transgênicos.
Buscar
de forma crescente energias alternativas às fósseis, como a hidrelétrica, a
eólica, a solar, a de biomassa e outras.
Insistir
no reconhecimento dos bens comuns da Terra e da humanidade. Entre esses se
contam o ar, a atmosfera, a água, os rios, os oceanos os
lagos, os aquíferos, a biodiversidade, as sementes, os parques naturais, as
muitas línguas, as paisagens, a memória, o conhecimento, a internet, as
informações genéticas e outros.
O
mais importante de tudo, no entanto, é formar uma coalizão de forças com o maior número possível de grupos, movimentos,
igrejas e instituições ao redor de valores e princípios coletivamente
partilhados, como os expressos na Carta
da Terra
, nas Metas do Milênio,
na Declaração dos Direitos da Mãe Terrae no ideal do Bem Viver das culturas
originárias das Américas. 
Por
fim, precisamos estar conscientes de que o tempo da abundância material acabou,
feita à custa do desrespeito dos limites do planeta e na falta de solidariedade
e de piedade para com as vítimas de um tipo de desenvolvimento predatório,
individualista e hostil à vida. O crescimento econômico não pode ser um fim em
si mesmo. Está a serviço do pleno desenvolvimento do ser humano, de suas
potencialidades intelectuais, morais e espirituais. A economia verde inclusiva, a proposta brasileira para a Rio+20, não
muda a natureza do desenvolvimento vigente porque não questiona a relação para
com a natureza, o modo de produção, o nível de consumo dos cidadãos e as
grandes desigualdades sociais. Um crescimento ilimitado não é suportado por um
planeta limitado. Temos que mudar de rota, de mente e de coração. Caso
contrário, o destino dos dinossauros poderá ser o nosso destino.
Finalmente,
meu sentimento do mundo me diz que não estamos diante de uma tragédia
anunciada. Mas diante de uma gravíssima e generalizada crise de civilização.
Contém muitos riscos, mas, se quisermos, serão evitáveis. Pode significar a dor
de parto de um novo paradigma e o sacrifício a ser pago para um salto de qualidade
rumo a uma civilização mais reverente da Terra, mais respeitosa da vida, mais
amiga dos seres humanos e mais irmanada com todos os demais seres da natureza.

CEPRO – Um Projeto de
Cidadania, Educação e Cultura em Rio das Ostras.
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